domingo, 19 de agosto de 2007

Clube Safo - Ainda é Dificil sair do Armário (Artigos no DN de hoje)

Recebi hoje por mail este texto do Clube "Idéias Amigas", que apesar de não ir lá muito, admiro e leio sempre com muita atenção o que me enviam. Este texto tem a ver com noticias de homofobia e o quanto é dificil sair do armário e assumir-se diante a sociedade. Deixo-vos então para lerem e formarem as vossas opiniões:


AINDA É DIFÍCIL SAIR DO ARMÁRIO
MARIA JOÃO CAETANO

Não podem casar. Não podem recorrer à inseminação artificial ou à adopção, enquanto casal. Se forem homens, não podem dar sangue. Não podem namorar na rua, ou melhor, podem, desde que estejam dispostos a aguentar as bocas, os olhares e as risadas. Diz-se que este ano é dedicado à igualdade de oportunidades para todos mas, em Portugal, os homossexuais continuam a ser discriminados e, na sua maioria, optam por ocultar, até mesmo daqueles que supostamente lhes são mais próximos, a sua orientação sexual. "A quase totalidade das pessoas vive duas vidas, uma em casa e outra na rua e no trabalho", denunciava há dias, numa sessão pública, Clara Carvalho, dirigente do Clube Safo. "Isto é de uma enorme violência." Essa violência foi confirmada por uma equipa de investigadores do CIES - Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, que levou a cabo um Inquérito Nacional Sobre Experiências da Homo(bi)sexualidade em Portugal. As primeiras conclusões referem uma percepção muito clara da discriminação: 14% dos inquiridos já se sentiram discriminados uma vez e 44% dizem ter sido discriminados mais do que uma vez. "Sem querer subestimar as situações de coacção física (como as agressões) e moral (como a chantagem), que por poucos casos que ocorram são sempre significativos, o mais frequente é a violência simbólica, através de olhares, gestos, linguagem, comentários que representam a norma heterossexual dominante", explica a investigadora Mónica Policarpo."Este é o país onde o insulto máximo tem a ver com homossexualidade", recorda Paulo Côrte-Real, da Ilga. "A discriminação existe desde logo na lei, é uma discriminação 24 horas por dia", acusa. É o próprio Estado, que deveria dar o exemplo, o primeiro a olhar o homossexual como uma pessoa diferente. Depois vem tudo o resto: a família, os vizinhos, o emprego. "Um homossexual não pode ter a fotografia da família na secretária nem contar no trabalho o que fez no fim-de-semana." Antecipando as reacções negativas e as penalizações, opta, quase sempre, por não se revelar. Fica dentro do armário. 58% dos inquiridos tinham até 15 anos quando se descobriram atraídos por pessoas do mesmo sexo. O que sentiram? Medo. Angústia. Culpa. Depressão. Ansiedade. Confusão. Vergonha. Os sentimentos mais referidos mostram bem a pressão sobre o jovem homossexual. Talvez por isso, mesmo já se reconhecendo homossexual, a maioria se inicie sexualmente com uma experiência heterossexual. "É mais fácil tomar uma decisão que não contrarie a norma da sociedade", comenta o psicólogo Nuno Nodin. "Os jovens querem ir de encontro às expectativas dos pais, têm uma enorme necessidade de aceitação e, por isso, escolhem ter uma aparência e uma vida que não coincide com os seus desejos, mesmo que isso lhes cause outras angústias."Quando a auto-revelação da homossexualidade acontece na idade adulta, os sentimentos referidos são mais positivos: alegria, alívio, curiosidade, entusiasmo. "As pessoas mais velhas têm mais experiência e uma vivência mais pacífica da sua sexualidade", confirma Nuno Nodin. Além disso, "são independentes emocional e financeiramente. Têm menos constrangimentos."Ainda assim, a maioria dos inquiridos afirma "não viver a sua vida como gostaria" e "sente-se obrigada muitas vezes a dizer ou a fazer coisas com as quais não se identifica". Esta falta de autenticidade, explicam os investigadores, "resulta da consciência da homofobia social, revelando uma forte interiorização do preconceito existente na sociedade em geral e na família em particular, ao qual estará associado o medo da rejeição ou da incompreensão". A maior parte afirma que a família não conhece a sua orientação sexual e 41% dizem que só dez pessoas sabem. "Esta foi uma das maiores surpresas quando entrei para o Clube Safo", conta Isabel Bento. "Até as pessoas que estão nas associações lutam pelos seus direitos sem se assumirem, na sombra.""Apesar de haver uma parte da população oculta, mesmo as pessoas que não se revelam publicamente não estão sozinhas, há uma rede de solidariedade muito grande", avança Mónica Policarpo. Afastados - física ou simbolicamente - da família de origem, os homossexuais que responderam a este inquérito dão mais importância à "família de escolha" composta pelos amigos - de quem não precisam esconder-se e com quem podem ser quem realmente são.

"Ao discriminar, o Estado diz às pessoas que são inferiores"



"Sou lésbica mas também sou baixa, tenho olhos claros. A homossexualidade é apenas uma das minhas características", diz Clara Carvalho. A audiência ri-se. Mas aquilo que é óbvio tem de ser repetido, uma e outra vez, até que as pessoas entendam que "os homossexuais são pessoas como as outras". Uma das conclusões da equipa do CIES prende-se precisamente com isto: "No que respeita aos valores sociais (sociopolíticos, família, parentalidade, ética e sentido da vida), os resultados do estudo explicam-se, mais do que pela identidade sexual, pelas características sociodemográficas da amostra, aproximando-se da generalidade da população portuguesa com as mesmas características em termos de variáveis como o sexo, identidade e instrução", dizem os investigadores. Os inquiridos, acrescentam, "não se distinguem substancialmente do resto da população portuguesa, do mesmo meio social". Excepto num aspecto: "Sentem que o seu desejo de autenticidade (de ser fiel a si próprio) choca com a homofobia existente na sociedade." "É a experiência da homofobia que cria a diferença e gera a desigualdade", corrobora Paulo Côrte-Real. E neste aspecto, acusa, a desigualdade na lei talvez seja a mais importante, pelo seu carácter simbólico. Se somos todos iguais porque temos direitos diferentes?"Ao discriminar, o Estado português está a dizer aos homossexuais que eles são inferiores e que não têm os mesmos direitos das outras pessoas. Além de chocante isto é particularmente cruel porque estão a impedir as pessoas de se realizarem através da conjugalidade e da parentalidade, que são dimensões muito importantes", adverte o dirigente da Ilga. De acordo com este estudo, "encontra-se uma importante correlação entre a experiência conjugal (homossexual) e o grau de felicidade e satisfação com a vida em geral declarada pelos inquiridos". 42% dos inquiridos vivem em situação de conjugalidade e são esses que se revelam mais satisfeitos com a vida.A grande maioria (93%) das pessoas que responderam a este inquérito é a favor do casamento homossexual, mais ou menos a mesma percentagem que se mostra a favor da adopção por casais homossexuais. Mesmo que, quando questionados sobre a sua concretização (gostaria de casar?, gostaria de adoptar?), as respostas não sejam tão efusivas."Uma coisa é um direito, outra é o projecto de vida de cada pessoa", diz Paulo Côrte-Real. "Isto acontece principalmente porque as pessoas adequam as suas expectativas subjectivas às condições que julgam objectivas", explica, por sua vez, Mónica Policarpo. Não há modelos positivos, só entraves. "Sabem que teriam de enfrentar tantas dificuldades que preferem não considerar o assunto." Pelo menos, por agora.

"As figuras públicas têm o dever moral de se revelar"

Paulo nunca teve dúvidas. Sabe desde pequeno. E quis assumi-lo desde o início, mesmo quando ainda morava numa terra pequena, longe da capital, sujeito aos olhares e às "bocas" dos outros. Aos 15 anos passeava na rua de mão dada com o seu primeiro namorado. "Os meus pais são pessoas abertas, mas não aceitaram logo. E mesmo depois de dizerem que aceitavam, não queriam que mais ninguém soubesse. Quando eu comecei a aparecer na televisão, o meu pai tinha vergonha de ir ao café e de ouvir algum comentário. Hoje, já tem orgulho em mim, percebe aquilo que eu faço."Aos 34 anos, Paulo Jorge Vieira é um activista, membro da direcção da Associação Não Te Prives, presença regular em manifestações que lutam pelos direitos de uma população "invisível". E aponta o dedo: "Há pessoas que em função do seu estatuto de figura pública têm o dever moral de mostrar a sua orientação sexual. Porque deveriam estar a dar exemplos positivos aos jovens e, pelo contrário, estão a dizer-lhes que devem ter vergonha da sua identidade." A discriminação existe e Paulo sente-a, ainda hoje, na pele. "Nem todas as pessoas têm a minha estrutura para aguentar isto", desabafa. "Esconder é a solução mais fácil."

"Como se eu fosse um 'puzzle' e encontrasse a peça que faltava"

"Tinha 36 anos quando me senti mexida por dentro como nunca me tinha sentido e isso aconteceu não por causa de um homem, como eu estava à espera, mas por uma mulher." Isabel descobriu a sua homossexualidade já adulta, depois de uma vida heterossexual. Como foi? "Foi como se eu fosse um puzzle e, de repente, encontrasse aquela peça que me faltava, uma peça que encaixou perfeitamente."Apesar de ter aceite essa revelação pacificamente para si mesma, Isabel Bento hesitou em revelar à família, em parte por respeito à companheira, que preferia manter o amor "dentro das quatro paredes", em parte para não ter de enfrentar os outros. Chegou a levar a companheira a casa dos pais, dormiram no mesmo quarto, mas como amigas. Vantagens de ser mulher e de a intimidade feminina ser mais aceite pela sociedade. "Mas eu preciso de me sentir inteira naquilo que faço e começou a ser muito penoso manter uma vida dupla, há uma tensão acrescida." Acabou por contar aos irmãos - "Não queria ter este segredo para eles" - mais ou menos na mesma altura em que se tornou membro do Clube Safo. Foi há pouco tempo. Isabel tem 51 anos e é finalmente uma mulher inteira. "Em paz."

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